Publicado originalmente na Gazeta do Povo em 14/01/25.
O anúncio de Mark Zuckerberg trouxe as mais diversas reações sobre o futuro da democracia e da liberdade de expressão. Por um lado, há quem argumente que a desinformação agora se proliferará sem os especialistas realizando a checagem de fatos, colocando em risco a própria democracia, com comentários afirmando que tal medida seria o começo do “fascismo”. Por outro, argumentam que, ao adotar o modelo de notas da comunidade, essa seria uma boa guinada da empresa, pois permite que os próprios usuários combatam a desinformação com mais informação, preservando o valor da liberdade de expressão e a busca pela verdade.
Embora as motivações de Zuckerberg possam ser questionadas – se de fato essa mudança tem a ver com os princípios da liberdade de expressão ou se ocorre por motivações econômicas –, a desinformação é um problema que precisa ser enfrentado. E, apesar de parte do debate público acreditar que isso deve ser lidado com a supressão de informação, a grande questão que se impõe é: quem decide o que é verdade ou não?
Conforme Nadine Strossen e Greg Lukianoff, a livre expressão de ideias pode nem sempre contribuir para a compreensão da verdade, mas a censura certamente a prejudicará
Essa é uma discussão fundamental para compreender a liberdade de expressão. No e-book Liberdade de Expressão: Da necessidade de proteção e promoção, realizado pelo Instituto Sivis, discute-se o quanto esse valor é essencial para a busca da verdade, uma vez que é por meio da discussão e do desafio de ideias que erros podem ser corrigidos e o avanço no conhecimento podem ser alcançado.
Por óbvio, há críticas à ideia do “livre mercado de ideias”, pois seria ingênuo pressupor que todas as vozes, independentemente de sua qualidade ou conteúdo, contribuiriam para um debate público de qualidade. No entanto, é importante lembrar que falamos de um regime democrático, que tem como premissa a garantia de direitos e liberdades civis. Conforme Nadine Strossen e Greg Lukianoff, a livre expressão de ideias pode nem sempre contribuir para a compreensão da verdade, mas a censura certamente a prejudicará.
Ao suprimir ideias, entramos no dilema de definir o que é a verdade. A grande questão é: sob quais critérios isso será embasado? Historicamente, a regulação de informações e ideias sempre se baseou em critérios amplos, como aquelas que vão contra a segurança pública ou a soberania nacional. O problema da amplitude desses critérios é justamente o risco de censurar discursos políticos que, embora controversos, são legítimos para a democracia. Esse é o caso de diversos países, como Rússia, China, Turquia e Hungria. O Global Expression Report aponta que esses países estão entre os que mais restringem a liberdade de expressão, evidenciando uma crise nesse direito fundamental.
Por isso, o modelo das “Notas da comunidade”, proposto pelo X e agora pelo Meta, não é um aceno ao fascismo, como alguns podem apontar. Pelo contrário, é uma maneira de adicionar mais informação ao debate público e consegue combater, de forma imediata, uma informação falsa, enquanto o processo de checagem pode levar horas, permitindo que a mensagem falsa continue a ser difundida.
É importante salientar que esse modelo não é perfeito e não significa que as redes sociais se tornam automaticamente guardiãs do valor da liberdade de expressão, nem que não tenham seus próprios interesses. No entanto, a primeiro momento, é uma das ferramentas viáveis que combatem a desinformação preservando a liberdade de expressão.
No Brasil, essa política ainda não foi implementada pela Meta e já enfrenta desafios, ao passo que o Executivo e o Judiciário se articulam para compreender o que, de fato, a empresa quer, dando indícios de que não aceitarão essa mudança com facilidade. Além disso, esse acontecimento pode respingar no julgamento da constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet, o que nos leva à conclusão de que o ano de 2025 aguarda desafios importantes, não só para a consolidação da liberdade de expressão, mas também da democracia no Brasil.
Sara Clem é Analista de Pesquisa do Instituto Sivis.