Publicado originalmente no O Globo em 23/01/25.
A Meta, liderada por Mark Zuckerberg, anunciou em 7 de janeiro a adoção de um modelo de verificação colaborativa, inspirando-se nas notas da comunidade do X. O anúncio provocou reações fortes no Brasil. Parcela da imprensa questionou a suficiência do modelo para questões complexas, argumentando que delegar responsabilidade sem supervisão robusta de especialistas poderia levar a uma nova forma de desinformação disfarçada de correção. Coalizão com mais de 60 entidades — entre elas Instituto de Defesa de Consumidores, Federação Nacional dos Jornalistas e Central Única dos Trabalhadores — divulgou uma carta aberta condenando as mudanças e alertando sobre riscos para grupos vulneráveis e o processo democrático. O manifesto chamou as medidas de “um sério retrocesso na já problemática moderação de conteúdo nas plataformas”.
Embora os detalhes da implementação da Meta permaneçam incertos, as notas da comunidade do X dão uma ideia. Por lá, qualquer usuário que atenda a critérios básicos (conta ativa por seis meses, número de telefone verificado, histórico de respeito às regras da plataforma) pode adicionar notas para contextualizar ou corrigir postagens. Um algoritmo busca prevenir o viés, condicionando a publicação da nota à diversidade ideológica dos avaliadores.
A questão também chegou a Brasília. O Ministério Público Federal e a Procuradoria-Geral da República notificaram a Meta. O presidente Lula convocou reunião extraordinária. O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes afirmou que, no Brasil, as redes sociais só poderão operar caso respeitem a legislação brasileira, enfatizando que isso ocorre “independentemente de bravatas de dirigentes irresponsáveis das big techs”.
Parte da desconfiança vem do tom do anúncio e um suposto adesismo oportunista à cartilha de Trump. Outra parte é puro elitismo — ou corporativismo. “Como trocar a moderação de conteúdo realizada por jornalistas profissionais por um sistema crowd-sourced (colaboração coletiva)?”, perguntam. Mas o que de fato há de errado com as Notas da Comunidade? Há alguma ilegalidade? Não, não há ilegalidade no modelo de checagem colaborativa; caso contrário, o X nem teria voltado ao ar. A questão vai além da legalidade. Um jornalista afirmou que apenas assinantes poderiam colaborar nas notas da comunidade do X. O próprio recurso o corrigiu: “Não é necessário ser assinante para colaborar”. A ferramenta expôs o viés do próprio jornalista profissional.
Os defensores de uma sociedade democrática e aberta deveriam celebrar as iniciativas colaborativas. Uma clara vantagem desse modelo é sua capacidade de ampliar exponencialmente a quantidade de checagens realizadas. Enquanto as agências de fact-checking precisam priorizar o que verificar com base em critérios próprios e recursos limitados, as notas da comunidade permitem que qualquer conteúdo seja avaliado pelos usuários. Isso democratiza a verificação e torna possível abordar uma gama mais diversa de conteúdos.
As notas não estão isentas de críticas, claro. Seu algoritmo pode falhar ao filtrar contribuições válidas e até retardar contribuições necessárias ao buscar evitar vieses. Além disso, a dependência de uma comunidade ampla e ativa levanta dúvidas sobre sua eficácia em plataformas menores ou em regiões com menor penetração digital.
Dito tudo isso, as notas da comunidade são boas para a sociedade. Agências de fact-checking podem coexistir e usar o sistema para identificar assuntos que merecem investigações mais aprofundadas. Jornalistas ainda podem sugerir e validar notas, independentemente de agências. É verdade que agora teriam de submeter sua checagem ao escrutínio da comunidade e do algoritmo antiviés. Mas não é justamente isso que os que se manifestam a favor de uma sociedade aberta deveriam defender?
*Henrique Zétola e Jamil Assis são diretores do Instituto Sivis e do Centro Voxius de Liberdade de Expressão.